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Fazenda Serra Negra, a primeira potência econômica de Betim

Written By Ana Claudia Gomes on sexta-feira, 24 de dezembro de 2021 | 07:27

Cachoeira da Serra Negra, no território de Esmeraldas

Estas anotações se baseiam nas pesquisas de Geraldo Fonseca (1975), para sua obra sobre a história de Betim, e em interpretações recentes da historiografia sobre Minas Gerais.

A Fazenda Serra Negra foi formada ao final da década de 1760, entre a serra que lhe dá nome e o então nascente arraial da Capela Nova do Betim. Não podemos precisar sua localização exata pois a fazenda se desfez ao longo do século XX e não restam vestígios de sua sede. Porém, uma década depois de sua formação, já era considerada uma das mais importantes fazendas do imenso território da vila colonial de Sabará, por suas extensas terras férteis, pela importante produção agropecuária para o abastecimento das minas, por manter centenas de trabalhadores afrodescendentes escravizados e pelo notável poder de seus proprietários. E sua influência certamente motivou os diversos pedidos de sesmarias na região da Serra Negra na década de 1770, encontrados por Geraldo Fonseca.

A Fazenda foi fundada pelo colonizador português, do Porto, Capitão João Nogueira Duarte, que primeiro viveu com sua família em Congonhas do Campo, depois se casou em Curral d'El Rey e radicou-se em Capela Nova de Betim, onde ele e seus descendentes foram os mais destacados potentados por cerca de um século e meio.

A historiografia recente mostra como as fazendas foram empreendimentos tão importantes quanto as lavras nas minas coloniais, devido à necessidade de abastecimento das populações mineradoras. Assim como o arraial da Capela Nova do Betim ganhou importância por estar na confluência de caminhos abastecedores entre Sabará, Mateus Leme e Pitangui, assim também a Fazenda Serra Negra, que por eles escoava seus produtos.

O registro de centenas de pessoas escravizadas em seu poder também é um inequívoco indicador da pujança da fazenda, pois essas pessoas eram compradas por altos preços e ainda o plantel precisava ser recomposto continuamente devido à baixa expectativa de vida em contexto de escravização, às fugas e às libertações. Não por acaso o Bairro Angola foi formado no século XIX, entre a Fazenda Serra Negra e o arraial da Capela Nova, precipuamente por afrodescendentes. Não se pode sequer excluir a hipótese de que a região tenha começado a ser ocupada por quilombos. Certamente, muitos libertos da Serra Negra também ali fixaram morada.

Geraldo Fonseca, ao estudar diversos fenômenos da história de Betim nos períodos colonial, imperial e republicano, legou-nos uma diversidade de dados sobre os Nogueira Duarte, proprietários da Fazenda Serra Negra, até o início do século XX.

 em 1779, João Nogueira Duarte foi nomeado, por Carta Patente da rainha Maria I, Capitão da Companhia de Ordenanças de Pé do Distrito de Capela Nova do Betim. A Companhia de Ordenanças era a representação da autoridade real nas vilas e distritos da colônia portuguesa no século XVIII. Tinha principalmente poder de polícia e mediação de conflitos na sua área de abrangência e seu capitão era o chefe local. Todos os filhos de João Nogueira Duarte tiveram postos nas Ordenanças de Capela Nova.

Em 1788, João Nogueira Duarte acumulou o cargo de Chefe dos Caçadores do Mato do Distrito de Capela Nova do Betim. Os caçadores do mato perseguiam principalmente pessoas escravizadas em fuga, mas também criminosos.

Em 1799, deu-se mais um sinal de distinção dos Nogueira Duarte de Betim: Antônio Nogueira Duarte, filho do pioneiro, que nascera em Capela Nova e nela fora batizado em 1769, foi ordenado Padre. E no ano seguinte, ele solicitou à Coroa autorização para completar seus estudos em Coimbra, o que só filhos de famílias muito abastadas podiam fazer naqueles tempos. Antônio e todos os pupilos Nogueira Duarte aprenderam as primeiras letras com mestres particulares, na sede da Serra Negra, pois só houve escola autorizada em Capela Nova em 1838.

Este primeiro sacerdote Nogueira Duarte não se destacou muito na vida eclesiástica, sendo inclusive denunciado por omitir assistência ao seu rebanho. Mas em 1862 nasceu na Fazenda Serra Negra aquele que depois se tornaria o afamado Monsenhor Manoel Nogueira Duarte, reconhecido mestre em Teologia e fundador do Colégio Diocesano em Mariana.

Em 1810, pela morte do patriarca Nogueira Duarte, assume o posto de Capitão das Ordenanças seu filho, Manoel Nogueira Duarte, transferindo-o para seu irmão, Francisco Nogueira Duarte, em 1827, quando foi reformado. Mas em 1829, Manoel foi nomeado pela Câmara de Sabará como o primeiro Juiz de Paz do Distrito de Capela Nova do Betim, permanecendo no cargo até 1855.

Com a emancipação do Brasil em relação à Coroa Portuguesa em 1822, e constituição de um Império, aos poucos as estruturas de poder foram reformuladas. A ordenanças já estavam em falência quando Francisco Nogueira Duarte se tornou Capitão. Mas a Fazenda Serra Negra continuava próspera e, em 1830, por compra das terras vizinhas, alcançava 730 alqueires.

Em 1832, foi criada a Guarda Nacional, que continha Guardas Municipais, como a de Sabará. Formou-se no Distrito de Santa Quitéria, atual Esmeraldas, o seu 3º Batalhão. Este Batalhão era composto por 8 companhias, dentre elas a 3ª Companhia do Distrito de Capela Nova do Betim, com 51 praças. Mas logo em 1833, a Câmara de Sabará alterou a organização dos batalhões, cabendo a Capela Nova o 3º Batalhão da 2ª Legião, com 93 praças. Sabemos que as estruturas da Guarda Nacional formaram as bases do poder local durante o Império, que desembocou no fenômeno do coronelismo.

Não temos uma cronologia dos chefes da Guarda Nacional em Capela Nova do Betim, mas sabemos que um novo João Nogueira Duarte, neto do pioneiro, era Major e foi promovido a Tenente-Coronel, Chefe do 3º Batalhão, em 1844. Este permaneceu líder capelanovense até sua morte, em 1890.

O poder dos Nogueira Duarte em meados do século XIX se manifestou também na elevação da comunidade católica da Capela Nova do Betim de Curato a Paróquia, e na construção de uma Igreja Matriz para essa comunidade, nos anos 1850. Antônio Nogueira Duarte e Cunha estava entre os nove irmãos da Sociedade Pia criada para arrecadar recursos para a construção do novo templo. Esse empreendimento só foi concluído por volta de 1867, sendo necessário o envolvimento do Tenente-Coronel João Nogueira Duarte para cobrar contribuições dos devotos, pois as obras de um templo barroco de grandes dimensões foram onerosas, mesmo para uma povoação relativamente próspera como Capela Nova.

Naquelas décadas, Betim tinha muita madeira-de-lei, e produzia anualmente perto de 6 mil arrobas de café, cerca de 10 mil barris de aguardente feita da cana localmente cultivada, 4 mil arrobas de açúcar e mais 4 mil de algodão, além de mandioca, milho, feijão, mamona, arroz e fumo.

Depois de já inaugurada a Matriz, nosso já conhecido Manoel Nogueira Duarte, adentrado em anos, foi seu fabriqueiro, entre 1785 e 1800. O fabriqueiro era uma espécie de tesoureiro da Igreja perante o Estado, pois esta era, na época, a ele subordinada. A Matriz do Carmo de Capela Nova tinha gado, terras, realizava empréstimos, recebia heranças, e por tudo isso o velho Nogueira Duarte era responsável.

Os Nogueira Duarte, embora radicados em Capela Nova do Betim, tinham fortes ligações de negócios, política e amizade com os potentados do Distrito de Santa Quitéria. Foram inclusive aliados da destacada fazendeira santaquiteriense, Ana Felipa de São Tiago, liderança local na Revolta Liberal de 1842.

A Revolta Liberal de 1842 se deu porque, durante o período imperial, havia disputa entre os partidos liberal e conservador na formação do gabinete ministerial. A ascensão de um gabinete conservador nesse ano provocou a insurgência de liberais em São Paulo, liderados pelo Padre Antônio Feijó, e em Minas Gerais, liderados por Teófilo Otoni. Os Nogueira Duarte financiaram os revoltosos.

Geraldo Fonseca também levantou a hipótese de que as ligações entre os Nogueira Duarte e os potentados santaquiterienses atrasaram a emancipação política de Capela Nova e a mantiveram distrito de Santa Quitéria quando este foi elevado a município em 1901. O historiador diz à p. 93 de sua obra sobre Betim que João Nogueira Duarte, neto do pioneiro, tinha, ao final do século XIX, prestígio suficiente para conseguir a emancipação de Betim, assim como seu filho José, que o sucedeu e também mantinha estreitos laços com a gente quiteriense.

Não por acaso, após a criação do município de Santa Quitéria, José Nogueira Duarte foi eleito vereador por Capela Nova do Betim, juntamente com Pedro de Assis Xavier e Paula Júnior, o Mestre Pedro. A Câmara tinha 9 vereadores, sendo 5 gerais, entre eles José Nogueira Duarte, e 4 especiais, entre eles Mestre Pedro.

Eram novos tempos para a política local e nacional. Fora adotado o regime republicano no Brasil em 1889 e as estruturas de poder se organizaram conforme o que convencionamos chamar Primeira República ou República Velha. As oligarquias locais elegiam os chefes dos poderes Executivo e Legislativo em todas as instâncias federais, concedendo direito de voto apenas a homens alfabetizados. Poucos brasileiros eram alfabetizados e toda a população feminina estava excluída da possibilidade de votar. Praticava-se ainda o "voto de cabresto", que era o voto segundo a orientação do chefe local.

Essa restrição do direito de voto vinha desde o voto censitário adotado pela Constituição do Brasil Imperial, em 1824. Somente homens livres, maiores de 25 anos e com renda mínima anual de 100 mil réis podiam votar. Para serem eleitos, a renda mínima exigida era de 200 mil réis. Em 1842, ano da citada sedição liberal, Capela Nova do Betim só tinha 22 homens elegíveis e 70 homens com direito a voto, embora alcançasse população total superior a 5 mil pessoas em 1851, quando foi autorizada sua elevação a Paróquia. 

Ora, em 1910, organizava-se em Capela Nova do Betim o diretório político municipal do Partido Republicano, tendo como Presidente o Coronel José Nogueira Duarte. Mestre Pedro também era Coronel e Vice-Presidente. 

Mas parece que a oligarquia Nogueira Duarte viveu aí seus últimos anos de glória. Em 1916, houve uma dissensão no diretório municipal do Partido Republicano capelanovense, que derrubou seu Presidente, 1º Secretário e mais três membros. A nova composição do diretório, publicada no Jornal Minas Gerais de 14 de abril daquele ano, não continha mais nenhum Nogueira Duarte.

Emergiu então um novo potentado local em Capela Nova do Betim, o Monsenhor Osório de Oliveira Braga, que teria sido pivô para a formação do Município de Betim, em 1938/9.

Não sabemos como e quando a Fazenda Serra Negra foi desativada, nem o destino de seus proprietários. Geraldo Fonseca apontou o ex-prefeito Newton Amaral Franco (in memorian) como descendente do clã. Familiares do Bio continuam atuando na política betinense até a atualidade.

E como único vestígio material de toda a glória pregressa da Fazenda Serra Negra e do clã Nogueira Duarte, temos a Escola Municipal José Nogueira Duarte, inaugurada em 1973 na Serra Negra.


Referência

FONSECA, Geraldo. Origens da Nova Força de Minas. Betim - Sua história. Betim: Prefeitura Municipal, 1975.



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