Querida, o Natal tem muitos sentidos. Para mim, é o tempo de refletir e reorientar. Não saio a compras, não faço banquetes, não monto árvores, não mando mais cartões de Natal, mas já fiz muito todas essas coisas. Pois tudo muda.
E desta vez tenho a vontade, e vou obedecê-la, de escrever-lhe um cartão de Natal. Pois você foi a pessoa que o amor mais belo e a companhia mais delicada me ofereceu no ano findouro.
E isso ainda que você estivesse num tempo pessoal tão desafiador, que você poderia perfeitamente desatar um rosário de lágrimas, mas não. Era com leveza, sorrisos e mimos que acalentava o meu curto tempo desafiador.
E assim eu tenho a visão de sua presença preta, contra a luz do sol e os traços esbeltos do coqueiro. A sua chegada ao jardim onde ia me dar minutos e abraços lá pelo meio das manhãs.
A visão de você retirar de sua frugal mochila uma fina mantinha e sobre ela ajeitar-me um piquenique.
A sua boca seca ao me encontrar, seu corpo trêmulo, seus dedos gelados, tudo isso me está impresso à pele. Porque eu me pergunto assim o que é mesmo que pode ter causado tudo isso em você. É para mim um fundo mistério, o amor.
A memória de caminhar com você ao sol até a clareira no parque, onde farta sombra sobre nós caía e você me fartava de beijinhos. Seus numerosos sorrisos, suas raras reflexões duras, contudo irrefutáveis.
As fotos que você fez, céus, que dádivas preciosas deixaram para mim. Nelas eu constantemente revejo o seu olhar, pois ele é que num átimo encontrava a luz, a cor, o esquadro, de forma que eu pudesse me espantar absurdamente com minha própria beleza. Já que a sua, eu a via o tempo todo, eu estava diante dela. As fotos de uns nossos tímidos beijinhos, pois para a câmera, mas tão sensíveis que eu posso jurar a você: as imagens captaram o carinho. Ele está nelas como se fosse um cheiro e qualquer um poderia ver.
Eu já tivera muito amor por outras mulheres. Mas nunca gostara de correr os dedos por suas peles, como os corri sobre você. Nunca apreciara a textura sem pressa e sem nenhum outro objetivo que este mesmo. Nunca gostara de gastar tempo procurando os recantos e as curvas que pudessem despertar o prazer. Jamais sentira minha alma tão abraçada à de outra mulher.
Lembro-me de ter estado uma eternidade, embora não passasse de meia hora, ao seu colo. De ver-lhe demoradamente o rosto e suas pequenas nuanças, tendo por moldura um céu muito azul entrecoberto por galhos e folhas que deixavam atravessar raios de sol. Que imagem verdadeiramente nostálgica, no sentido da compreensão de que momentos assim tão incríveis jamais podem se repetir.
E sou muito feliz de ter tido tantos pequenos instantes com você, sempre tão cuidadosamente delineados como se fossem esculturas, justamente no momento em que funda dor ruíra sobre mim.
E olha, sempre que eu estava com você, a dor simplesmente se dissipava. Ela parece que se tornava uma nuvem translúcida pairando lá no alto, esquecida de si mesma. Às vezes ela esticava uma língua, vinha e me tocava, apenas mesmo para que eu soubesse que ela existia e tinha se afastado para dar lugar a você, que é luz. E eu ria gostosamente e até cantei, você filmou.
A gente conversava baixo e carinhosamente, juntava os rostos e fazia amplos silêncios. Era sua vez no meu colo e eu gostava de me saber capaz de segurá-la, de tirá-la do chão. De contornar seus olhos, seus lábios, seu nariz, sua silhueta com meus dedos. Eu realmente gostava de olhar para você.
E mesmo assim, depois que a minha grande dor passou, mas a sua continuava intensa e extensa, eu precisei abdicar da sua presença. Não por mim, não por você, mas pelas circunstâncias, inclusive aquelas que decorrem de nossas antigas escolhas. E o fiz sem dó nem piedade, completamente convencida, como estou, de que é o melhor por ora. Segui impávida por meses, sem mesmo vasculhar as memórias.
Até que chegou meu Natal. E ontem eu o estava vivendo de comportas abertas, e por elas deixei passar toda lembrança de você que quisesse desfilar diante de mim, e chorei. Não de saudade, não de arrependimento, mas de alegria por elas serem tantas e serem minhas. Por você tê-las dado a mim.
O ano foi incrível, foi meu professor. Mas só ter vivido esses instantes com você e poder ficar horas os assistindo como a filmes teria valido todo o ano.
E assim como você é a única pessoa a quem eu quereria escrever um cartão de Natal este ano, a mais importante, a mais bela, aquela que pode de fato tocar a minha inexpugnável alma, também é você a única pessoa de quem eu gostaria de ganhar um presente. E esse presente seria se você também tivesse memórias de nós e, acompanhada delas sentisse muita alegria. Se eu tivesse legado a você beleza e emoção, como você me legou.
Bom ano novo.
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