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30 anos de educação em nível municipal em Betim

Written By Ana Claudia Gomes on domingo, 16 de agosto de 2020 | 15:30

 Primeiro Grupo Escolar de Capela Nova de Betim, edifício e monumento que marca a história da educação local. Foto da década de 1950.

Esta é uma contribuição à campanha de Maria do Carmo Lara, candidata a Prefeita de Betim/MG pelo Partido dos Trabalhadores em 2020. As opiniões expressas são de minha inteira responsabilidade e o documento é público, sendo também orientado pela minha atividade profissional como professora, historiadora e gestora em educação e cultura por vinte e quatro anos na Prefeitura de Betim.

Minha pesquisa sobre a história da educação em Betim tem profundidade até 1991, quando teve início a gestão de Ivair Nogueira como Prefeito Municipal. Obtive, através das metodologias da história oral e da pesquisa documental, indícios de que, no contexto das discussões para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1993, e no rastro da Constituição de 1988, a Secretaria de Educação local organizou grupos de estudos em diversos temas, com ênfase para a alfabetização. Os profissionais envolvidos participavam dessas atividades fora de seus horários de trabalho e os relatos dão conta de uma intensificação das intenções de inovação nas escolas, porém restrita aos que se dispunham a participar sem remuneração.

A gestão de Maria do Carmo Lara na Prefeitura Municipal (1993-1996) deu início a uma real efervescência da inovação na educação de responsabilidade do município, efervescência esta que atingiu seu ápice na gestão de Jésus Lima como Prefeito Municipal (1997-2000) e ainda manteve seus efeitos nas gestões de Carlaile Pedrosa (2001-2008), quando foi progressivamente instituída uma perspectiva conservadora.

A efervescência a que me refiro teve influência, a meu ver, das perspectivas políticas e pedagógicas das próprias esquerdas, amplamente orientadas pela ideia de que o mundo humano pode ser transformado no sentido de mais equidade e justiça social. Perspectivas essas orientadas por certas filosofias sobre o campo educacional. Mas também pelas conquistas da Constituição e da LDBEN, em que pesem os aspectos conservadores também presentes em ambos esses documentos, visto terem sido negociados no campo da política. E ainda pelas experiências de diversas prefeituras municipais dirigidas pelo Partido dos Trabalhadores a partir do fim da Ditadura Militar (1964-1985).

Na década de 1990 em Betim, especialmente, pôde-se ver o constante enfrentamento dos desafios da alfabetização numa sociedade com altos índices de analfabetismo e do acesso de todos à educação formal. Porém destaco também a ampla ênfase em diversas formas de combater a evasão e a reprovação escolares, de estabelecer comunicação entre as disciplinas escolares (pedagogia de projetos, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, conhecimento significativo, dentre outros conceitos e teorias); e ainda o investimento sem precedentes em formação de profissionais da educação.

Especificamente sobre a formação profissional, é interessante destacar que as pesquisas na área indicam que ela deve ser ampla, contínua e articulada à prática nas instituições escolares. Isso porque a formação inicial dos profissionais da educação em universidades tem pouca inflexão nos assuntos próprios da pedagogia e mais atenção aos conhecimentos específicos das disciplinas. Dessa forma, os profissionais da educação realmente aprendem o que é escola e pedagogia em suas próprias experiências como estudantes, de onde advém uma rígida cultura escolar, transposta de geração a geração.

A formação profissional continuada, desde que articulada em programas que considerem os mais diversos campos técnicos da educação e estimule a aplicação dos saberes adquiridos no contexto escolar, é uma importante aliada no desmonte da citada cultura escolar. Seu arrefecimento, como aconteceu em Betim a partir dos anos 2000, diminui a temperatura nas escolas, e a chegada de novos profissionais, por contrato ou por concurso, reinstaura as culturas escolares tradicionais.

É importante destacar como o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV), instituído em 1996, foi um importante aliado da Rede como estimulador de formação continuada. Porém, distorções na sua efetivação, como a constituição de um mercado de cursos e a busca, por parte de muitos profissionais, de alcançar rapidamente os mais altos níveis da carreira, através da frequência a cursos, e um discurso de gestão de que o Plano é infinanciável para a totalidade do corpo profissional, levaram à criação de sucessivos obstáculos no seu acesso pelos profissionais.

Considero que o ápice e a síntese da efervescência pedagógica instituída pelas gestões petistas em Betim foi a construção de um projeto político-pedagógico pela Secretaria Municipal de Educação em 1997/1998, submetido a um Congresso Municipal de Educação. Esse documento não apenas concentrou discussões em voga na Rede Municipal, como também optou por uma nova organização das escolas municipais através dos chamados ciclos de formação humana.

Enquanto a gestão de Maria do Carmo Lara, nesta década, estimulou a inovação nas escolas sem impor um modelo, o que, visto retrospectivamente, pode ter deixado a Rede mais livre para aderir ou não a novas ideias, a gestão de Jésus Lima procurou estabelecer esse modelo, em experimentação em outras cidades governadas pelo PT. Isso, ao mesmo tempo em que propôs uma identidade para a educação municipal, também deu ocasião a acirrados conflitos. O modelo de ciclos de formação humana punha imediatamente em combate setores mais transformadores e mais conservadores da educação e tocava em pontos nevrálgicos da cultura escolar, não apenas mais como recomendação, mas agora como determinação de um Congresso Municipal.

Os ciclos de formação humana são um modelo educacional tentado no Brasil desde o início do século XX, embora não com esse nome nem com toda a sua perspectiva filosófica. Seus pressupostos básicos, a meu ver, são: a) o questionamento da reprovação escolar, cujos efeitos, conforme dados estatísticos, incluem a evasão escolar, mormente nas passagens de nível ainda hoje presentes na educação básica, e a baixa escolarização geral da sociedade brasileira; b) a ideia, advinda de filósofos e pesquisadores da educação, como Jean Piaget, a escola de Vigotsky, Paulo Freire e Emília Ferreiro, de que as pessoas aprendem diferentemente conforme suas idades, devendo, portanto, a escola, oferecer abordagens diferentes na infância, na adolescência, na juventude, na vida adulta e no envelhecimento; c) a aprendizagem ocorre em ciclos, o que, elementarmente falando, significa que a pessoa pode não aprender imediatamente aquilo que lhe é ensinado, retomando conhecimentos superficialmente adquiridos em momentos posteriores do amadurecimento global.

A concepção de que a aprendizagem ocorre diferentemente conforme as idades teve efeitos importantes nas abordagens que a Rede Municipal de Betim deu à infância e à educação de jovens e adultos, o que, indubitavelmente, foi construído naquela que chamo década de ouro da educação municipal, a década de 1990. Embora em caráter progressivamente mais conservador a partir de 2000, a reflexão sobre a infância, especialmente, e a vida adulta tiveram alguma continuidade.

Porém, as abordagens da adolescência foram incipientes, na forma de experiências de 3º ciclo de formação humana, e, na prática, foram interrompidas pelas eleições de 2000. Ainda que, sob a vigência dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o Governo Federal tenha intentado aprofundar a reflexão sobre esse período etário, com uma adesão relativa da gestão municipal no começo desta década.

Já as ideias de que a reprovação escolar é nefasta para a escolarização da sociedade brasileira e de que a aprendizagem de conteúdos nem sempre ocorre na idade, ou série, ou ciclo para a qual foi programada tiveram pouca aceitação na Rede Municipal de Betim. A reprovação é, sabidamente, um mecanismo disciplinador nas escolas, profundamente conectado à ideia de que se deve aprender pelo menos 60% do que é ensinado em cada série. E, portanto, também ligado à ideia de que os saberes são mensuráveis quantitativamente.

Nesse sentido, vale ressaltar que a reflexão sobre a avaliação da aprendizagem escolar foi também um importante eixo do debate nessa época, levando ao questionamento das notas como representação da aprendizagem, e levando a experiências com conceitos e com análises descritivas. As análises descritivas sofreram resistência maior do que os conceitos, tendo sido apontadas pela pesquisa educacional como intensificadoras do trabalho docente. Os conceitos subsistiram um pouco mais. 

Vale dizer que tais movimentos de inovação implicam em mudanças nos tempos para o trabalho docente. A Rede conquistou, ao longo desses 30 anos aqui discutidos, progressivamente, o reconhecimento do trabalho docente extra-classe, que hoje constitui um terço da jornada semanal desses profissionais. Porém, o arrefecimento da discussão sobre o trabalho coletivo nas escolas levou a uma tecnicização desse tempo, dedicado a planejamento, correção de avaliações e registros.

Os ciclos de formação humana foram abandonados como prática, e depois como discurso, ao longo das gestões de Carlaile Pedrosa na década de 2000. Essa não foi uma decisão apenas local. Em todo o Brasil, as pesquisas educacionais demonstraram que os sistemas escolares evoluíram para regimes de progressão continuada, em que se mantém o combate institucional à reprovação escolar, mas nos quais se abandonam as práticas pedagógicas que poderiam ensejar o sucesso dessa perspectiva.

Em Betim, a oficialização de um regime de progressão continuada se deu em 2005, através de uma Portaria da Secretaria de Educação, que instituía índices máximos de reprovação permitida em cada ano do Ensino Fundamental e ainda adotava um formato de ciclos bienais, conhecidos na literatura como ciclos de aprendizagem. Progressivamente, também essa nomenclatura foi abandonada na Rede, prevalecendo a concepção de etapas anuais da escolarização. Essa situação se mantém até a atualidade, podendo a Rede ser classificada, do ponto-de-vista político-pedagógico, como um regime de progressão continuada.

É importante ainda destacar que, na gestão de Maria do Carmo Lara na década de 1990, um dos eixos da inovação era o movimento de crítica e reconstrução dos currículos escolares, com ampla participação dos educadores e acompanhamento de consultores. Esse movimento também foi muito enfatizado na gestão de Jésus Lima, e gerou uma expectativa para as gestões de Carlaile Pedrosa, que o manteve, mas reduziu a participação dos profissionais, e adotou os conceitos de competências e habilidades como organizadores do currículo, conceitos esses tidos como mais conservadores do que os que emergiam na década de  1990. 

A Secretaria publicou um currículo para a Rede Municipal, que teve quase nulo efeito nas escolas, em parte devido à baixa participação dos profissionais em sua construção. E, na gestão de Maria do Carmo Lara (2009-2012), o currículo local voltou a ser organizado por disciplinas e conteúdos, sendo tomado como referência para a construção dos planejamentos anuais dos profissionais nas escolas.

Em minha perspectiva, a efervescência dos anos 1990 teve fim progressivo nos anos 2000. Reporto-me ao discurso de posse do ex-Secretário Municipal de Educação, o Sr. Mauro Reis (in memorian), no início desta década, quando disse que sua missão na Secretaria era "pacificar" a Rede.

Porém, na gestão de Maria do Carmo Lara (2009-2012), outra manifestação dessa efervescência saltou aos olhos da população betinense, na forma da experiência de educação em tempo integral denominada "Escola da Gente". A Escola da Gente arregimentou princípios como: convivência de profissionais da educação com profissionais de outras áreas, especialmente das artes ou, como se diz popularmente, da cultura; adoção de perspectivas do conceito de "cidade educadora", em que a cidade inteira é vista como locus de aprendizagem, bem como seus cidadãos podem contribuir para a educação formal; ampliação do tempo diário de participação em atividades educativas, visto que o Brasil é um dos países de menor jornada escolar diária no mundo e a ampliação da jornada é inclusive recomendada pelo Banco Mundial, instância de grande poder sobre as políticas educacionais no globo.

Nessa gestão, o Programa Escola da Gente não chegou a alcançar toda a população estudantil e sofreu resistências de profissionais efetivos nas escolas. Isso contribuiu para que fosse extinto ou reduzido aos mínimos financiados pelo Governo Federal, em poucas escolas e com atendimento variável de 50 a 100 alunos por escola contemplada. O Escola da Gente foi um programa de Governo, mas não chegou a se consolidar como projeto de Estado.

Outra importante a abrangente iniciativa foi a constituição de um Programa de Incentivo à Leitura de grande alcance, estreitamente ligado ao Programa Escola da Gente, mas não restrito a ele. Observe-se que, após a instituição do acesso de todos à escola básica no Brasil, o fenômeno do analfabetismo tornou-se visível também no interior das escolas. Se antes os que não se alfabetizavam abandonavam a escola, também constrangidos pelas sucessivas reprovações, hoje a legislação educacional e a progressão continuada fazem com que permaneçam e se tornem sujeitos de preocupação nas políticas públicas da área. Um certo número de estudantes atravessa a escolarização sem dominar os rudimentos da leitura e da escrita; e mais um expressivo número pode ser compreendido entre os chamados "analfabetos funcionais". Ora, a pesquisa na área nos mostra que a escola tradicional é muito mais centrada na escrita do que na leitura e que isso perpetua os problemas de alfabetização. Pois ler precisa ser antes de tudo associado ao gosto e à sensibilidade. Nesse sentido, a presença de um Programa de Incentivo à Leitura que envolva as bibliotecas pública, comunitárias e escolares foi importante iniciativa, a ser retomada integralmente numa eventual nova gestão petista.

Ainda um fenômeno importante induzido pelo Governo Federal nos anos 2000 foi a construção de planos decenais de educação por todas as instâncias federativas. Esses planos, submetidos à avaliação da comunidade, por representação, são importantes mecanismos de controle social das políticas educacionais. Porém, uma crítica comumente feita aos planos decenais construídos em nível municipal é a extensão numerosa de suas propostas e a adoção híbrida de conceitos (por exemplo, a difícil definição de metas claras e mensuráveis), o que compromete sua avaliação e permite aos governos produzir narrativas segundo as quais a maioria das propostas foi alcançada, mesmo que as principais propostas, as mais estruturais, não tenham sido contempladas.

Nesse momento, é necessário tocar no ponto fulcral que é o financiamento da educação no Brasil. Embora seus mínimos estejam estipulados pela legislação federal, o próprio Banco Mundial considera que são insuficientes para o enfrentamento dos desafios da educação no Brasil, devido à dívida histórica que o país tem com sua população. A ampliação das jornadas escolares depende sobremaneira do financiamento da educação. Leve-se em consideração que os dividendos a serem obtidos com o chamado Pré-sal foram anunciados na gestão Dilma Roussef (2011-2016) na Presidência da República como especialmente dedicados à educação.

Atualmente, é uma tendência na gestão pública brasileira a arregimentação de recursos privados, através de renúncias fiscais e parcerias. Nas perspectivas mais conservadoras, o Estado não apenas busca os recursos, como também transfere parte da gestão a entidades privadas. 

A gestão público-privada não é uma proposta das esquerdas políticas no Brasil, mas está atualmente em ascensão na educação municipal, na gestão Vittorio Medioli (2017-2020). A privatização dos serviços públicos fez parte, de maneira geral, do programa de governo do citado Prefeito. Há indícios de que esse tipo de financiamento e gestão esteja sendo progressivamente implantado na educação infantil, com forte resistência dos profissionais da educação organizados junto ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE-Subsede Betim).

A gestão Vittorio Medioli, juntamente com a gestão de Carlaile Pedrosa (2014-2016), se caracteriza por uma quase inexistente discussão pedagógica e pela ênfase na ampliação e manutenção dos edifícios e equipamentos da educação. 

A rigor, a Secretaria de Educação tornou-se mais e mais uma entidade administrativa entre 2000 e 2020, e as iniciativas de formação profissional continuada são pontuais e novamente foram estimuladas na gestão de Maria do Carmo Lara (2009-2012). 

Mesmo uma grande tendência contemporânea em educação, que é a promoção de mídias digitais, e nisso se considere a crítica ao processo, é apenas incipiente em Betim, e só diante da emergência da Covid-19 vem sendo induzida. Porém, não tenho notícias de financiamento de equipamentos e acesso a redes digitais por escolas, profissionais ou estudantes.

O que considero como grandes desafios para a gestão de Maria do Carmo Lara, se eleita para dirigir a cidade no período 2021-2024, é a busca de alternativas para a ampliação do financiamento da educação municipal e a retomada da efervescência do debate político-pedagógico na Rede. Evidentemente, não se pode repetir a década de 1990. Novas questões educacionais estão presentes na atualidade, conforme intelectuais e ativistas ligados à campanha petista estão apontando, mas o que urge é pô-las em debate contínuo, para que a Rede Municipal volte a adotar princípios e práticas capazes de responder aos desafios educacionais.

Quanto a isso, destaco a abrangente reflexão sobre a ética do cuidado como orientadora das políticas educacionais. A dicotomia no debate sobre se o papel da escola é instruir ou cuidar deve ser questionada. Pode-se dizer que a escola formal betinense ainda hoje está arraigada na missão de instruir, por isso penalizando aqueles que não atingem os níveis de desempenho esperados. Também uma ideia que se cristalizou é a de que à família cabe educar, restando à escola a função mais específica e tradicional.

O cuidado deve emergir e se articular à instrução, pois, a meu ver, ele a abrange.



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1 comentários :

  1. Amei o texto, Ana. Sinto-me contemplado em diversos pontos. O debate educacional em Betim está defasado e esvaziado. Muita novidade já surgiu e Betim não acompanhou...

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