David Foster Wallace
Quando não se sabe se se escolheu a solidão ou se ela mesma quis desabar sobre si, é bom que exista Netflix. É bom que se se identifique com escritores e se decida ver um filme sobre um. Isso porque não se está com as funções mentais superiores em bom estado para se assistir filmes autorais selecionados pelo amigo cineasta e muito menos para se ler um livro. Ou menos ainda para lavar a louça ou arrumar a cama. É bom que exista Netflix.
Então vi o filme O fim da turnê, sobre o romancista americano David Foster Wallace. Já olhei no Google, ele existiu mesmo. Não sei se as frases inúmeras nas quais me vi foram mesmo escritas por ele ou pelo roteirista. Mas tinha algos como: quando se quer ser escritor, é melhor ser só, porque você só vai querer estar com a pessoa companheira quando quiser. Ou quanto mais diversão digital se tem, mais se vai querer estar só. Críticas ao modo americano de se viver. Inclusive sobre a comida não ser nada nutritiva, mas ser prazerosa. Sobre se ter o vício da televisão, que eu antes não tinha em minha vida adulta, mas agora, nua do academicismo, voltei a ter.
Um filme fácil, mas com diálogos interessantes e muita boa reflexão sobre a minha própria solidão e meu modo de ser monja. Ensaiei até umas tímidas gargalhadas, o que faz muito bem aos músculos da face.
E, dentre tantas identificações e subjetivações, ri-me de que ele também tivesse sido ghost-writer na faculdade. Ele era melhor que eu. Lia um ou dois trabalhos do cliente para melhor compreender seu estilo, e então escrevia seu próximo trabalho. E explicou que em Harvard havia um vasto sistema de recompensas para quem fazia trabalhos para colegas. Não era só dinheiro.
Rara coincidência. Quando na faculdade, eu já era só. Há muito tempo. Levava meus trabalhos escritos a partir de leituras da madrugada e colegas bem acima de mim na pirâmide social pediam autorização para copiar igual mas diferente. Foi um tipo de leitor que tive.
No vasto sistema de recompensas, havia caronas que me poupavam duas longas horas de ônibus, convites para festas e jantares e, claro, pagarem o meu xerox. O que era vital para a sobrevivência.
Depois da faculdade, ainda fui ghost-writer muitas vezes. Obtive vários títulos lato sensu para colegas; acho que fiz pedagogia, psicologia e letras; escrevi para políticos que lançaram meus livros em meu nome e sem mim; escrevi projetos para instituições que a eles se referiram como trabalho de digitação ou compilados.
Uma psicóloga me disse que por isso desenvolvi uma síndrome do autor. Pode ser que ela tenha querido dizer que eu era autora ou que pensava que era. Não importa. Fiquei doente.
David Wallace era doente também. E, como eu, se matou. Só que eu sobrevivi. Ele também sobreviveu à primeira tentativa, mas não à segunda. Eu acho matar-se tão dispendioso que não pretendo tentar a segunda.
Lamentavelmente, sou igual a ele. Só que diferente.
0 comentários :
Postar um comentário