As mais remotas notícias sobre a
ocupação da região de Betim, afora a ocupação provável por indígenas
semi-nômades, remonta ao início do século XVIII. Toda a região hoje denominada
Minas Gerais estava agitada à época; a descoberta de riquezas minerais atraía
aventureiros em busca de glória e outros tantos, em seu rastro, ocupados em
sobreviver.
O ambiente era de mobilidade espacial constante. A região onde hoje
fica Betim fazia parte de uma importante rota que vinha de São Paulo a Pitangui
– e era a rota dos bandeirantes atraídos pelas descobertas minerais na citada
povoação – e também da rota de abastecimento que vinha da Bahia às Minas.
A importância desta última rota só ganha dimensão a partir do olhar
mais atento dos historiadores sobre a diversificação econômica das Minas no
auge da mineração. As Minas vinham sendo vistas como lugar de escassez, de
total dependência do abastecimento proveniente de outras capitanias e
concentração da atividade econômica na mineração. Novos estudos têm demonstrado
a importância da produção própria e da circulação de mercadorias no interior da
capitania.
Betim, antes de assim se chamar, fazia parte deste entrecruzar de caminhos.
Por aqui, chegavam os escravos transferidos do nordeste para as Minas, que eram
registrados na localidade das Abóboras, depois denominada, por isso, Contagem
das Abóboras. Em Contagem, também se registrava o gado entrado nas Minas e
destinado a abastecê-las. A contagem, evidentemente, tinha objetivos fiscais.
Também por essa razão o primitivo nome de Belo Horizonte era Curral D’El Rey,
ou seja, o local onde o gado era armazenado, depois distribuído, tendo sido
devidamente taxado.
A descoberta de ouro em Minas Gerais, em 1690, quando já
estava decadente a indústria do açúcar no litoral nordestino, proporcionou
novas atividades econômicas ao sistema colonial português. A coroa proibiu
qualquer plantação de alimentos ou criação de gado na zona aurífera, para não desviar
mão-de-obra da mineração. Assim os garimpos tornaram-se centros de compra de
alimentação e de animais de transporte. É claro que houve resistência a tal
proibição, como mostra a instalação de criadores de gado em Betim bem no início
do século XVIII, conforme se comenta adiante.
Era proibido aos tropeiros ou viajantes pousarem nas
estradas ou caminhos do município impedindo o trânsito. Tinham que afastar os
animais do centro da estrada. Era de interesse da coroa portuguesa que os
caminhos às vilas fossem de fácil acesso, pois dessa maneira, além de
abastecê-las dos mais diversos gêneros, facilitava-se também a saída do metal
precioso para o erário real. Com esses intuitos, foram emitidos bandos e outras
ordens reais que se destinavam à construção de pousadas para viajantes e a
manutenção dos caminhos de acesso às vilas do ouro. Em um dos primeiros núcleos
de povoação da atual Betim, logo no início do século XVIII, foi construído um
casarão destinado ao uso como pousada venda de secos e molhados, especialmente
para as tropas que por aqui passavam. Este casarão abriga atualmente a Casa da
Cultura Josephina Bento.
O fato de Joseph Rodrigues Betim ter solicitado uma sesmaria nesta
região em 1711 não foi um acaso depois tornado conhecido por ter originado uma
povoação. Provavelmente, esta solicitação fez parte de uma estratégia dos
grupos paulistas, então em franco confronto com os portugueses preocupados em
garantir a si próprios a reserva da área em que se encontravam os minerais
preciosos. Como se sabe, os paulistas foram os pioneiros das descobertas, mas
foram imediatamente confrontados pelos “reinóis” que, como colonizadores, se
sentiam no direito de se apossar das riquezas.
Ora, em 1708 ocorrera um sangrento conflito entre bandeirantes paulistas
e portugueses, conhecido como Guerra dos Emboabas. Emboabas foi o nome dado
pelos paulistas aos “reinóis”, e significava “estrangeiros”, “invasores”.
Apesar da maneira razoável como o conflito se resolveu em prol dos paulistas,
estes se sentiam ameaçados: percebiam que cabia a eles a tarefa de localizar
veios auríferos, mas que a posse dos mesmos não se encontrava assegurada, na
medida em que os “reinóis” a cobiçavam. Daí intensificar-se a solidariedade
entre estes aventureiros que, na historiografia oficial, figuram como heróis.
A solicitação de sesmaria por Joseph Rodrigues Betim, ligado por
parentesco e amizade ao famoso bandeirante Borba Gato, deve ter visado
assegurar a posse de um importante caminho e parada, vital para o
empreendimento bandeirante. Ao contrário do que diz em sua petição, Betim não
desejava estabelecer-se nestas terras e lavrá-las, como não o fez, mudando-se
logo para Pitangui, antes mesmo de obter a confirmação real da doação da
sesmaria, o que se dava cerca de três anos após a doação propriamente dita;
nesta ocasião, avaliava-se o desenvolvimento da sesmaria, isto é, se houvera
estabelecimento do sesmeiro e escravaria, exploração do solo ou subsolo,
povoação... Joseph Betim não a obteve e nem mesmo solicitou-a, segundo o
minucioso trabalho do historiador Geraldo Fonseca (1975). Este estudioso
inclusive contesta poder Joseph Betim figurar como fundador da povoação ou como
responsável pela ereção de duas capelas em sua sesmaria; obter autorização para
erigir capelas era, à época, processo complexo e lento, sendo improvável que o
bandeirante o tenha alcançado em dois anos durante dos quais deve ter
permanecido nestas paragens. Não se encontraram documentos que comprovem a
solicitação da ereção das capelas por Joseph Betim na sesmaria onde hoje se
localiza o município de Betim, e sim em Pitangui, onde o pioneiro logo depois
se estabeleceu. Primitivos estudiosos destes documentos podem ter se enganado
quanto às capelas.
Assim, do primeiro proprietário das terras onde hoje fica Betim, ficou seu
nome, primeiro aplicado ao Ribeirão da Cachoeira, tornado Betim, depois adotado
pelo povoado surgido em torno da primeira capela. É muito provável que a
memória social local tenha “exagerado” a participação de Joseph Rodrigues Betim
na primitiva formação do povoado, porque o referido bandeirante era um
verdadeiro potentado, aparentado e ligado por relações de solidariedade com
alguns dos mais destacados bandeirantes brasileiros, o que conferiria uma
origem “nobre” a Betim, preferível a admitir que a povoação fora fundada por
anônimos.
Nas primeiras décadas após a doação da sesmaria a Betim, a região
consolidou-se como local de passagem e parada dos tropeiros. Outros sesmeiros
atuavam na região porque, quando a Coroa Portuguesa doava sesmarias, fazia-o “por
atacado”, a fim de que os sesmeiros pudessem contar com uma vizinhança
importante para a segurança e o estabelecimento de vínculos sociais. Os
sesmeiros aqui estabelecidos juntamente com Joseph Rodrigues Betim em 1711
foram João de Souza Sotto Mayor (criador de gado) e João Leite da Silva Ortiz.
Entre 1711 e 1750, a sesmaria de Betim recebeu diversos núcleos de
povoação, coincidentes com os pontos de parada dos tropeiros. O primeiro deles
a ganhar importância foi o da Bandeirinha do Paraopeba. Seu nome deve ter se
originado no fato de o local em que se estabeleceu ter sido objeto de uma
“bandeirinha”, isto é, uma pequena expedição em busca de minerais ou um “ramo”
de uma bandeira.
De fato, os bandeirantes paulistas, reunidos na Câmara de São Paulo em
1730, deliberaram que, uma vez aberto o caminho das bandeiras até Sabarabussu,
que fossem enviados pequenos grupos que plantassem roças em pontos
estratégicos, para o suprimento das futuras expedições bandeirantes. Assim
nasceram as bandeirinhas.
O arraial da Bandeirinha é o primeiro de Betim a aparecer na
documentação oficial, quando pede autorização para construir uma capela, em
1753, e a recebe em 1754. Para o período, a construção de uma capela era um
primeiro sinal de estabelecimento de um povoado. Isso independia da
religiosidade propriamente dita da comunidade, visto que a Igreja era
responsável pelos registros de nascimento, casamento e morte e por todos os
ritos que conferiam identidade aos potentados e à gente média do local. As
pessoas andavam enormes distâncias até a capela mais próxima, e era por isso
que os “homens bons” de cada local se empenhavam na construção de capelas em
suas terras, a fim de evitar o desconforto de suas famílias e agregados.
Quando solicitaram a construção de sua capela, quiseram que isso se
desse num monte, razão pela qual a capela ficou distante do pioneiro núcleo de
povoação. Assim, por volta de 1770, foi levantado um cruzeiro na Bandeirinha, o
qual foi benzido solenemente no dia de Santa Cruz. A partir daí, iniciou-se a
Festa Anual de Santa Cruz (fim de abril ou início de maio), que continua sendo
realizada no atual bairro Bandeirinha. No século XVIII, essa festa era tão
concorrida quanto a da padroeira.
A capela do arraial da Bandeirinha foi construída imediatamente, o que
dá uma medida da prosperidade da região. A construção e a equipagem da capela
precisavam obedecer a certas regras da Igreja e demandavam recursos, geralmente
obtidos por subscrições da comunidade. A capela foi erigida onde hoje se
encontra a Praça Milton Campos, de frente para o arraial da Bandeirinha –
portanto com os fundos para o futuro centro histórico de Betim – e recebeu o
nome de Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Como já havia outras capelas
na região, em Mateus Leme e Santa Quitéria – hoje Esmeraldas – o novo templo
tornou-se conhecido como Capela Nova do Betim, nome que depois se estendeu ao
arraial.
Entre 1760 e 1800, o arraial cresceu em importância, como indica a
instalação de forças policiais reais e a elevação da localidade a distrito em
1797, fato confirmado pela Câmara de Sabará em 1801.
Trajetória sócio-econômica e administrativa
Ao longo desse período, despontou o primeiro verdadeiro potentado da
extensa região de Capela Nova do Betim, João Nogueira Duarte, proprietário da
Fazenda Serra Negra, cuja produção, extensão (730 alqueires) e escravaria
(centenas) eram notórias na capitania. Já na década de 1770, Nogueira Duarte
detinha cargos de nomeação direta da rainha D. Maria I, o que dá uma medida de
seu reconhecimento oficial. O pioneiro era português, tendo primeiro se
estabelecido em Congonhas do Campo. A importância de sua família e daqueles aos
quais se ligou por casamento e negócios está atestada em documentos oficiais.
Seus descendentes constituíram importante tronco genealógico em Betim, tendo
muitos ocupado cargos militares e eclesiásticos de destaque.
A partir de meados do Século XIX, Betim participou da retração
econômica e decadência que atingiu toda a antiga zona de produção aurífera.
Desenvolve-se, então, uma atividade econômica de subsistência, quase sempre
fundamentada na fazenda autárquica. Às margens do Rio Betim, se instalaram
olarias e moinhos de fubá, estes últimos beneficiários das quedas d’água,
chegando somar 35. Restam na cidade vestígios das edificações desses
estabelecimentos, além de instrumentos empregados na produção.
O viajante James Wells (1995) esteve em Capela Nova e em suas
adjacências durante o oitocentos, assim se manifestando sobre a localidade:
Capela Nova do Betim é avistada muito antes que eu a alcance. Sua longa rua de casas brancas e telhas vermelhas fica situada proeminentemente sobre um morro alto, cercado de vales fundos e de morros mais altos e cadeias de montanhas. A estrada desce da região alta que eu tinha atravessado, cruza um vale e sobe por uma ladeira larga e íngreme, com casas separadas, casebres e ranchos de cada lado. Chegando ao topo, ela se une a outra rua em ângulo reto, ou melhor, a uma longa praça aberta, com filas de casas de porta e janela amontoadas e uma igreja simples, caiada, em uma extremidade. Há diversas vendas e armazéns de secos e molhados e ranchos abertos para tropas de mula. (...) Uns poucos matutos, em seus matungos esquálidos, montados com seus dedões do pé enfiados em pequenos estribos e usando o inevitável poncho de baeta ou tecido azul listrado de vermelho; umas poucas mulheres negras ou mulatas, vestidas com saias de algodão e xales espalhafatosos e batas brancas, apregoando frutas ou doces em tabuleiros de porta em porta; uns poucos vadios nas vendas e armazéns; algumas cabeças nas janelas assistindo apáticas à cena para a qual passam diariamente olhando e os numerosos porcos, bodes, cachorros, galinhas, perus e galinhas d’angola da rua constituem a restrita vida presente nesta vila sonolenta (p. 121-2).
O século XX alvoreceu em Betim sob o signo da implantação da infra-estrutura que posteriormente faria da região um pólo industrial. Em 1909, a Schnoor Engenharia obteve empreitada junto ao Governo Estadual para construir 155 km da seção BH – Henrique Galvão (atual Divinópolis) da Estrada de Ferro Oeste de Minas. O engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá, então funcionário da Schnoor, sugeriu a construção de uma usina hidrelétrica na principal queda d’água do Rio Betim, que tinha 84 metros. A hidrelétrica foi construída por Gravatá, em suas terras (Fazenda Cachoeira), com recursos próprios e de seu empregador Emílio Schnoor. Inaugurada em 1914, com capacidade de produção de 250 kw, a hidrelétrica chegou a fornecer energia para Henrique Galvão. Em 1945, até Contagem recebia energia gerada pela usina.
Nem a ferrovia nem a hidrelétrica alteraram significativamente a
atividade econômica em Betim, que permaneceu especializada na produção de
gêneros alimentícios, principalmente arroz, milho, mandioca, feijão, cana-de-açúcar
e algum gado.
O território onde está Betim havia sido pertencente à Vila de Sabará,
cuja jurisdição era imensa, desde o início da ocupação. Em 1901, pouco depois
da instalação do regime republicano no Brasil, houve uma reforma
político-administrativa do Estado brasileiro, que se desdobrou na divisão do
território em estados e municípios. Foi então que surgiu o estado de Minas
Gerais, com 11 grandes municípios, sendo um deles o de Santa Quitéria ao qual
Capela Nova ficou subordinada, até perdendo algo da autonomia adquirida em
1897. Não houve resistência do arraial à subordinação a Santa Quitéria porque
os potentados locais, João Nogueira Duarte à frente, mantinham boas relações
com os líderes santaquiterienses.
Por volta de 1910, a cidade desenvolveu um novo desenho urbano em
função da passagem da linha férrea, que se instalou a aproximadamente uns
setecentos metros da parte posterior da Praça Milton Campos – até então tida
como região central. É comum no meio popular a afirmativa de que “a cidade cresceu
para trás, nas costas da Igreja [antiga Matriz onde hoje está a Praça Milton
Campos]”. Percebe-se, dessa forma, uma formação urbana que desloca o eixo
central da cidade para a confluência das avenidas Governador Valadares e
Amazonas, em detrimento ao “antigo” centro, na Praça. Este momento histórico
trouxe uma inédita dinâmica sócio-urbana para o município, mas a população do
campo se manteve superior à urbana, que, inclusive, manteve um crescimento
vegetativo.
Betim tornou-se município por decisão estadual e federal em 1938. Isso
não foi fruto de mobilização local, mas de uma nova divisão administrativa do
Brasil, promovida neste ano. Essa nova divisão administrativa foi estudada por
uma comissão criada por Olegário Maciel desde 1932, obedecendo a determinação
federal[1]. Minas
Gerais, nesta ocasião, passou a ter 71 municípios. Fonseca (1975, p. 105),
embora registre uma manifestação organizada pelo padre Osório Braga, numa
ocasião em que o governador Benedito Valladares passava por Betim, prefere
creditar a emancipação de Betim a uma querela do próprio Valladares com Santa
Quitéria. O referido município teria feito oposição ao líder político e este,
para puni-lo, lhe teria tirado parte significativa do território, ao criar o
município de Betim.
O recém-criado município de Betim – que também era comarca, isto é,
sede do poder judiciário – compreendia os atuais territórios de Contagem,
Campanha, Ibirité e Ribeirão das Neves. Novas reformas em 1948, 1960 e 1962 reduziram
o território de Betim para a configuração atual – 376 km².
Nas décadas de 1940 e 1950, Betim volta a ter importante função de
local de passagem das rotas de abastecimento, desta vez destinadas à capital,
Belo Horizonte. O planejamento estadual destinou a Betim duas outras funções
econômicas: a industrialização de base ou de bens de capital, representada
pelas siderúrgicas aí instaladas, e a produção de alimentos para o
abastecimento da capital. Juntamente com Pedro Leopoldo, Santa Luzia, Nova
Lima, Sabará, Vespasiano e Lagoa Santa, Betim constituiria o chamado “Cinturão
Verde” de Belo Horizonte. Entretanto, nenhuma destas duas intenções
político-econômicas alterou substancialmente a economia betinense, que
permaneceu intensamente voltada para a subsistência. Pelo Censo Demográfico de
1940-1950, feito pelo IBGE, 51% da população urbana de Betim estava ocupada com
“Atividades Domésticas e Escolares”, enquanto que 31,78% classificavam-se sob a
rubrica “Condições Inativas e outras”.
Ainda na década de 40, instalam-se as primeiras indústrias de Betim,
ligadas à constituição do Parque Siderúrgico Nacional[2], nos
anos 1940: Cerâmica Saffran (1942), Ikera (1945), Cerâmica Minas Gerais (1947).
Essa primeira industrialização pode ser atribuída a uma elite industrialista
local, mais integrada com a localidade, mais comprometida com a absorção da
mão-de-obra da região e, por seu caráter mais tradicional, pouco agressiva
sobre o tecido urbano. Fez parte da constituição do Parque Siderúrgico Nacional
a criação da Cidade Industrial de Contagem, cuja extensão abrangeu Betim.
"A instalação da Cidade Industrial gerou na tradicional elite betinense o impulso para a instalação de novas atividades industriais na região da sede histórica da cidade. Desta forma, indústrias cerâmicas e de refratários foram inauguradas nas proximidades da área de ocupação inicial do município e longe da nova industrialização que ocorria em Contagem, na divisa com Belo Horizonte. Essas empresas serviram de suporte ao polo siderúrgico local – instalado nas proximidades do centro tradicional da cidade e inaugurado na década de 1950 – e supriram as necessidades do polo siderúrgico do Vale do Paraopeba, que congrega os municípios de Mateus Leme, Itaúna, Pará de Minas e Divinópolis." (RODRIGUES, 2020, p. 60).
Nos anos 50, muda o eixo da industrialização brasileira – decresce o
investimento nas indústrias de bens de capital, como as siderúrgicas
primeiramente instaladas em Betim e volta-se o foco para a produção de bens de
consumo duráveis, para a substituição das importações. A partir daí, Betim, por
sua oferta privilegiada de infra-estrutura, destina-se a se tornar pólo de
atração das indústrias. Entretanto, isso se dá vagarosamente. Em 1954, a
instalação de uma central geradora de energia da CEMIG, e em 1959, a construção
do trecho Belo Horizonte - Extrema (sul de minas) da Rodovia Fernão Dias, que
liga Belo Horizonte à capital paulista, começam a delinear as mudanças
intensificadas nas décadas seguintes.
A Rodovia Fernão Dias, construída no governo do então presidente
Juscelino Kubistchek, assume relevância no processo histórico em questão, por
ter provocado um considerável número de loteamentos na porção central da
cidade, durante a década de 1960. Algumas famílias, que já possuíam grandes
áreas na região em volta da Praça Milton Campos (antigo Largo da Matriz) e na
extensão da Av. Governador Valadares, promoveram a repartição dessas áreas com
a finalidade de trazerem os familiares do campo para a cidade, ou para vender
os lotes a terceiros. Já outras, que habitavam no meio rural, compravam
terrenos próximos ao centro, ou na extensão da Rodovia, para praticarem o
loteamento e se mudarem para o meio urbano.
Um dos maiores exemplos desta ação foi o loteamento do bairro PTB –
sigla que significa “Posto Telegráfico de Betim”, por existir na linha férrea,
que passa em frente ao bairro, tal posto. Praticamente durante toda a década de
1960 houve um certo arranjo territorial, embasado nas ações de configuração dos
lotes e bairros novos, sendo a maioria implantados às margens da Rodovia.
Ainda na década de 60, chegam a Betim algumas indústrias de médio
porte, quase todas de capital privado, à exceção da REGAP, e se instalam no
Bairro Cachoeira, local tradicional da primeira industrialização de Betim,
vinculado à presença da Av. Amazonas, do Rio Betim e da Ferrovia Oeste de
Minas. São elas: Cortume Morumbi (1960), Fabril de Minas (sabões, 1962), Riomar
(artigos de pesca, 1962), Fábrica São Geraldo (móveis, 1962), Fábrica São João
(biscoitos, 1962), Frigorífico Silveli Torres (1964), Confecções Dora (1964),
Siderúrgica Amaral (1965), Refinaria Gabriel Passos (1968), Asfalto Chevron
(emulsão asfáltica, 1969), Sidero Manganês de Pellets (1969, a partir de 1974,
chamou-se Siderúrgica Wilson Raid).
A Refinaria Gabriel Passos foi instalada em Betim porque o local
constitui uma confluência de condições favoráveis à redistribuição de
combustíveis. Entretanto, a economia local não foi dinamizada pela presença da
refinaria. Nos anos 70, apenas uma indústria, a Asfaltos Chevron, havia sido
atraída para o município em função da REGAP.
No início desta mesma década, a Prefeitura Municipal de Betim contraiu
empréstimo junto à Caixa Econômica Federal para adquirir os terrenos que seriam
doados tanto à Fiat Automóveis quanto à Krupp. Houve disputa entre os estados
brasileiros e entre os municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte
para sediar a Fiat. O que favoreceu Betim foi, além de suas condições
infra-estruturais e da atuação política em seu favor, o esgotamento do espaço
de Contagem. Ainda, um dos fatores de atração da Fiat para o Brasil/Minas/Betim
foi a intensa propaganda desenvolvida pelo INDI (Instituto Nacional do
Desenvolvimento Industrial) no exterior. O folheto de propaganda de título
“Introduction to Minas Gerais” diz:
Muitos mineiros são altos, delgados,
esbeltos e de pele clara, mas não existem barreiras de cor em Minas, nem em
mito nem em fato. Homens e mulheres de todas as nações e de todas as raças são
recebidos abertamente em Minas. Encontra-se também uma ausência de consciência
de classe e esta atitude está combinada com o senso democrático de que todos os
homens são iguais (MACHADO, 1979).
O então presidente da Fiat, Giovanni Agnelli absorveu a propaganda,
conforme transparece de sua fala:
Um dos elementos principais para a instalação de um complexo industrial é a disponibilidade de mão-de-obra. Na zona de Minas Gerais, a disponibilidade é enorme e nos permitirá atingir uma média de 8 a 9.000 operários. Além do mais, o município de Betim comprometeu-se a criar escolas para a preparação do pessoal especializado, sob a orientação de instrutores italianos[3].
As negociações para a implantação da Fiat em Betim foram bastante rápidas: em fins de 1972, após ser eleito, o governador mineiro Rondon Pacheco, iniciou os contatos com a empresa e declarou que um final feliz se anunciava; em 1973, é criado o Fundo de Investimentos e Participações, que tem por finalidade destinar verbas do Estado a diversos empreendimentos industriais; no orçamento de 1973 do Estado, estão previstos gastos com a implantação da Fiat, antes mesmo de se concluírem as negociações com a empresa, o que se deu no decorrer de 1973; os trabalhos de terraplenagem e infra-estrutura começam neste mesmo ano, logo após a conclusão das negociações; em 1976, já havia carros Fiat nas ruas.
Nos anos 70, a política econômica estadual conhecida como “Nova
Industrialização Mineira” colocou Betim em posição de destaque. Essa política,
concebida por planejadores estatais, visava tirar Minas Gerais da posição de
centro industrial periférico, fornecedor de insumos para o eixo Rio/São Paulo,
tornando-o um centro autônomo. Para isso, foi criada a Companhia de Distritos
Industriais de Minas Gerais (CDI), que planejou cinco distritos industriais na
Região Metropolitana de Belo Horizonte: Betim, Vespasiano, Contagem, Santa
Luzia e Belo Horizonte.
Betim, cujo distrito foi denominado Paulo Camilo, recebeu mais
investimentos, tendo sido programada para ser o 2º pólo automobilístico do
país. Segundo dados da CDI até 1979, Betim havia recebido 72,60% dos
investimentos nos distritos industriais da RMBH e gerara 64,11% dos empregos
diretos criados nestes mesmos distritos. É importante ressaltar que Betim
sofreu uma alta especialização produtiva, isto é, grande parte de sua industrialização
nesta época deu-se em função da indústria automotiva.
O processo de industrialização continua acelerado nos anos 80. Ao final
desta década, a recessão da economia nacional faz diminuírem os investimentos,
mas não os estanca. A especialização automobilística da indústria continua
alta, mas as administrações municipais dos anos 90 e 2000, conscientes de que
isso constitui uma fragilidade para a economia local, buscam incentivar a
diversificação industrial. A recente criação do Distrito Industrial de Bandeirinhas
faz parte deste contexto.
A economia rural betinense foi desagregada a partir dos anos 70. O
número de pessoas ocupado nesta atividade é irrisório em relação aos setores
secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços), bem como sua participação
na riqueza produzida. Destaca-se a produção de leite e de
horti-fruti-granjeiros, distribuídos principalmente através do CEASA.
Conforme dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE, o crescimento
populacional de Betim, a cada ano, está na ordem de 5,03%. O mesmo Censo, em
seus dados trabalhados, atesta que 26% dos chefes de família betinenses têm
escolaridade máxima de 4 anos, isto é, um total despreparo para a inserção
qualificada no mercado de trabalho industrial.
Geografia urbana e aspectos ambientais
Distante aproximadamente 30 quilômetros da capital, o município de
Betim é hoje um importante pólo de concentração industrial do Estado de Minas
Gerais e a segunda maior arrecadação de ICMS do estado, só perdendo para a
capital, o município está entre as maiores economias do Brasil.
Quanto aos aspectos físicos, o município de Betim está localizado na
Bacia do Rio Paraopeba, que o corta nas regiões oeste e sudoeste. O rio
Paraopeba é um marco na definição da paisagem e define também a divisa entre Betim
e os municípios de Igarapé, São Joaquim de Bicas e Juatuba.
Entre as diversas divisas municipais, podemos destacar a de Betim com o
município de Contagem, do ponto de vista hidrográfico. Esta divisa é feita pela
barragem da Várzea das Flores, a área de preservação de mananciais mais
importante de Betim, responsável por 15% do abastecimento de água da região
metropolitana de Belo Horizonte e onde se produz a água de menor custo para o
sistema. De preservação fundamental, tem uso rural (sítios para fins-de-semana),
lazer (banhistas nem sempre autorizados e a pista de kart) e urbano (Bairro
Icaivera).
O município possui diversas micro-bacias hidrográficas, dentre as quais
podemos destacar as sub-bacias do Rio Betim e do Riacho das Areias, que
compreendem boa parte da região mais urbanizada da cidade, inclusive as
regionais Centro e Alterosas.
Do ponto de vista climático, a temperatura média anual, fica em torno
de 20 graus centígrados e o índice pluviométrico médio é de 1.450mm.
Em relação às áreas verdes e à fitogeografia, destacam-se no município
dois tipos de biomas: o do Cerrado e o da Mata Atlântica. Na divisa com o
município de Contagem, no bairro Icaivera, destaca-se na paisagem uma típica
floresta de encosta, com topografia bastante íngreme. Próximo à ponte do rio
Paraopeba, podemos constatar uma singular floresta de galeria, com a presença
de muitas lianas e sub-bosque pouco denso. Na divisa entre Betim e Ibirité,
encontra-se um cerrado bastante degradado pela formação de pastagens. Na
estrada de Betim para Esmeraldas, podemos encontrar uma formação de cerrado bem
desenvolvida, apresentando na sua paisagem os estratos arbóreo, arbustivo e
herbáceo. Próximo ao centro da cidade, encontra o Parque Ecológico Engenheiro
Felisberto Neves, que apresenta vegetação expressiva com porte arbóreo em torno
de 25m.
Apesar dos grandes problemas ambientais existentes no município, a
cidade vem tentando promover diversas ações de recuperação ambiental e
reintegração social. A gestão dos recursos ambientais está a cargo Conselho
Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA). Várias iniciativas estão sendo
realizadas como: saneamento básico, coleta seletiva de lixo e aterro sanitário,
o que possibilita ao município receber o incentivo do ICMS Ecológico e buscar a
melhoria da qualidade de vida para sua população. Como exemplo, destaca-se a
construção de interceptores de esgoto ao longo do rio Betim, do riacho das
Areias e de Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) em várias partes do
município. Outra obra no setor ambiental é a Central de Tratamento de Resíduos
Sólidos: o lixo que chega ao aterro sanitário, depois de triado, é prensado
para ser vendido. O restante é enterrado.
Em relação à questão ambiental, podemos destacar a construção de várias
avenidas sanitárias, dentre elas, a avenida Antônio Carlos, no bairro
Teresópolis, avenida Porto Alegre, ligação entre as avenidas Edméia Lazarotti e
Belo Horizonte e a avenida do Imbiruçu que liga a avenida Marco Túlio Isaac à
via Expressa, facilitando o acesso da população da região do centro de Betim e
aos municípios de Contagem e Belo Horizonte.
A população do município, que hoje totaliza quase 450 mil habitantes,
tem crescido com taxas superiores à população da Região Metropolitana de Belo
Horizonte e do Estado de Minas Gerais. Em 1970, quando o grau de urbanização da
Região Metropolitana de Belo Horizonte era de 92%, Betim apresentava-se ainda
como um município de população predominantemente rural, com um grau de
urbanização de 46%, aproximadamente. Em curto período, o município passa por um
profundo processo de transformação socioeconômica: em 1980 o município, já
apresenta um grau de urbanização de cerca de 91%, ligeiramente inferior ao da
Região Metropolitana de Belo Horizonte, que resultava em torno de 96%.
Fato notável é que Betim continua com alta taxa de crescimento urbano,
mesmo passado o momento dos maiores impactos decorrentes da implantação da Fiat
Automóveis em seu território, nos anos 1970. Com isso, observa-se que o
município, por um lado, abriga um forte e moderno setor industrial e, por
outro, configura-se como receptor de consideráveis fluxos migratórios que se
dirigem para a Região Metropolitana de Belo Horizonte, compostos, em grande
parte, por segmentos pobres e não qualificados da população.
Apesar de Betim, nas últimas décadas, estar ocupando a 2ª e a 3ª
posição entre os municípios mineiros que mais arrecadam impostos, o que indica
a vitalidade de seu setor privado, a renda per capita do cidadão betinense é de
R$ 203, 22 e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) é de 0,775,
um pouco superior às médias estadual (0,719) e nacional (0,699), nas quais está
contida uma reconhecida desigualdade de grandes dimensões. Do ponto-de-vista do
desenvolvimento humano, o município ocupa, por exemplo o 135º lugar entre os
853 municípios mineiros (PNUD, 2000). Isso mostra que o modelo de
desenvolvimento econômico adotado nem sempre está associado à elevação geral
dos padrões de vida.
[1] Betim: 50 anos de emancipação (1938/1988). Revista
editada pela PMB (Adm. Tarcísio Braga), p. 11.
[2] Estas indústrias pioneiras compuseram, juntamente com
a Magnesita (Contagem), a Cerâmica Togni (Poços de Caldas), a Cerâmica João
Pinheiro (Caeté), a Acesita (Coronel Fabriciano) e a Belgo-Mineira (Sabará), o
setor de produção de refratários para a siderurgia mineira e para os parques
siderúrgicos de São Paulo e Rio de Janeiro.
[3] Revista Tendência. “Por que a Fiat se instalou
em Minas Gerais”. Agosto de 1973, nº 0, p. 50.
RODRIGUES, Lessandro Lessa.
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