A canção do nome

Written By Ana Claudia Gomes on segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017 | 02:23


A poetisa senegalesa Tolba Phanen registrou o inspirador costume de um povo africano que ela não identificou. Nesse povo, organizado em grupos de aldeias, quando uma mulher ficava grávida, ela se reunia com outras mulheres, indo para o deserto mais próximo a fim de meditar. Essas mulheres podiam meditar durante dias, esperando inspiração divina para a canção da criança que ia nascer. Composta a canção, voltavam à aldeia e a ensinavam a todos os que esperavam a criança juntamente com sua mãe.
Quando a criança nascia, a aldeia se reunia e lhe cantava a sua canção. Quando ela dava início à sua educação formal, a aldeia, reunida, cantava a sua canção. Assim também a aldeia lhe cantava a sua canção quando ela se casava. Finalmente, a aldeia cantava a sua canção quando ela estava doente e podia morrer. Acreditava-se que a canção podia facultar-lhe a cura ou tornar-lhe mais doce a partida, a passagem.
Mas havia também uma outra ocasião especial em que a pessoa ouvia a sua canção. Era quando ela se esquecia dos acordos de convivência, do respeito recíproco que nós os humanos devemos ter entre nós e com tudo o que existe, quando ela cometia erros e transgressões. Nessas ocasiões, a pessoa era posta no centro da aldeia que, posicionada em círculo, lhe cantava a sua canção. Ao invés de apelar para punições e exclusão, aquele povo acreditava que a canção podia lembrar à pessoa sua identidade. Que ela recebera uma canção inspirada pela divindade. Que todos os seus irmãos conheciam muito bem a sua canção e sabiam que era bela. Assim a pessoa recebia estímulo para retornar à busca de harmonias e do amor.
Creio que em nossa cultura o equivalente da canção da pessoa é o nosso nome. Quando nossas mães ficam grávidas, elas primeiro pensam como nos chamaremos se formos menina, se formos menino. A família é mobilizada para conectar-se ao divino e receber a inspiração do nosso nome. Nossos familiares conflitam até consensar um nome que eles sintam combinar com o que anteveem para nós. Com o que desejam para nós.
As livrarias e bancas vendem grossos tomos com nomes para bebês. Agora, em tempos de web, numerosas páginas apresentam coleções de nomes. Imagino a penosa leitura até que um nome brilhe como estrela e se destaque entre os demais.
Não é à toa que um desconhecido só poderá aprender o nosso nome quando olhar a nossa face e descobrir uma centelha que nos torne únicos para ele, dentre todos os outros que conhece. Podemos não estar tão conscientes da canção contida em nosso nome porque nem sempre cultivamos o hábito de lembrar. E por isso tantos de nós se perdem de si mesmos e são abandonados, condenados, até mortos.
Que multipliquemos os tempos de lembrar às pessoas a música de seus nomes e assim caminhemos de mãos dadas, em círculos protetores, para não nos perdermos de quem somos: pedacinhos minúsculos de tudo o que há. Matéria escura agregada por filetes luminosos. Todos com a potência de cintilar.


(Para meu filho Thales Santos)

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