A aula era sobre o absolutismo europeu. Mas Liliana pediu para fazer uma pergunta. Professora, a senhora sabe dizer se Michael Jackson fez branqueamento foi por causa do vitiligo que ele teve? Ali eu soube que a aula não seria sobre absolutismo. Perguntei à classe se eu podia responder a todos a pergunta de Liliana. Pois assim eu atendia a uma exigência da lei educacional no Brasil.
Aceitaram de bom grado. E por isso sou grata. Disse a eles que eu acompanhei toda a carreira de Michael Jackson como fã. E preferia a ele do que à Madonna.
Então falei grosso modo sobre o modo de vida de uma família negra e pobre nos States. Falei de bairros separados. Da importância da canção gospel na formação de Michael Jackson. Dos maus-tratos que as crianças Jackson sofreram para se tornarem músicistas e intérpretes do nível que elas são. Acrescentei que não se precisava chegar a tanto. E que por isso Michael Jackson pode ter sofrido sérios efeitos emocionais.
Citei os Jackson's Five, cerca de um terço da classe conhecia. Thomas odiava. Mas conhecia muito bem. Inclusive os nomes das canções.
Falei sobre a fama meteórica de Michael Jackson. Sobre a solidão que isso deve ter trazido. Sobre seu instituto para cuidado de crianças. Assim como os da Xuxa e do Ayrton Senna e de toda pessoa com excedentes que se preze. E que queira obter dividendos da filantropia. Sobre as acusações judiciais a respeito de abusos de crianças. Sobre a mitologia que se constrói em torno de pessoas famosas.
Ao que Mariana, como fã inveterada, protestou: ele sofreu abusos na infância, sim, professora. Foi comprovado que ele abusou de crianças, professora. Elas confessaram. Suspirou.
Então desafiei. E se as crianças tiverem sido instruídas por seus pais. A indústria de indenizações judiciais nos States é milionária. Mariana capitulou. Mas altiva de seu saber, como se deve ser.
E disparei finalmente. Michael Jackson pode ter e deve ter feito branqueamento por causa do vitiligo. Mas eu duvido. Acho que ele fez branqueamento porque tendo recursos: a pessoa mulher pode virar homem. A pessoa homem pode virar mulher. Branco fica preto e preto fica branco. Só nunca vi branco virando preto porque uns pretos são mal-tratados. Uns não.
Cês tinham que ver os tição de olho que brilhou naquela sala. O tanto de gente que viu sua história sendo dita.
Não tive coragem. Mas teria cantado Beat it.
Sobre a Autora
Ana Claudia Gomes _____________________
Acho que comecei a escrever antes que respirar... E, sim, sou a cronista de um mundo caduco.
Ana Claudia Gomes é licenciada e mestre em História pela UFMG. Atua na Prefeitura Municipal de Betim - MG como professora de História do Ensino Fundamental e também detém experiência como historiadora de mulheres, cidades e patrimônio cultural. Atuou no ensino superior e na formação de professores. Gosta de cinema, literatura, canto e gatos.
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