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A Sereníssima República

Written By Ana Claudia Gomes on quinta-feira, 17 de novembro de 2016 | 10:30

(...) era preciso dar-lhes um governo idôneo. Hesitei na escolha: muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns excelentes, mas todos tinham contra si o existirem. Explico-me. Uma forma vigente de governo ficava exposta a comparações que poderiam amesquinhá-la. Era-me preciso ou achar uma forma nova, ou restaurar alguma abandonada. Naturalmente adotei o segundo alvitre, e nada me pareceu mais acertado do que uma república, à maneira de Veneza, o mesmo molde, e até o mesmo epíteto. Obsoleto, sem nenhuma analogia, em suas feições gerais, com qualquer outro governo vivo, cabia-lhe ainda a vantagem de um mecanismo complicado, - o que era meter à prova as aptidões políticas da jovem sociedade.
Outro motivo determinou a minha escolha. Entre os diferentes modos eleitorais da antiga Veneza, figurava o do saco e bolas, iniciação dos filhos da nobreza no serviço do Estado. Metiam-se as bolas com os nomes dos candidatos no saco, e extraía-se anualmente um certo número, ficando os eleitos desde logo aptos para as carreiras públicas. Este sistema fará rir aos doutores do sufrágio; a mim não. Ele exclui os desvarios da paixão, os desazos da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça.

(Machado de Assis. A Sereníssima República. (Conferência do Cônego Vargas). Papéis avulsos. Belo Horizonte: Itatiaia, 2006. pp. 137-8.


Vale a pena ler para ver o que acontece a qualquer governo lindamente imaginado, quando simplesmente passa a existir...
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