Disse aí um profeta milenarista desses que há aos milhares. Que a televisão brasileira vai acabar. Por mim já vai tarde. Deus a leve com bom vento, ache um buraco e caia dentro. Mas tenho minhas dúvidas, né, porque o vinil não acabou, o cd não acabou... E nem a fita magnética.
Eu prefiro a internet. Eu prefiro sapear. E não me venham dizer que o certo é zapear. A internet é o ópio do meu tempo.
Mas acontece que eu sou de mais de um tempo, e fui do tempo da televisão brasileira também. Aliás, a televisão brasileira era o meu conceito de céu. Mesmo eu sendo cristã e o céu tendo sido descrito para mim como um calmo lugar, onde os anjos entoam santo, santo, santo.
Eu mal fugira das fraldas e já fugia para ver televisão. Na primeira escapadela, já vejo o Visconde de Sabugosa. Então, vocês vejam. Eu não posso cuspir no prato em que comi.
Agora, trash mesmo foi o primeiro beijo. Eu fugia para o apartamento térreo e, sob o álibi de que brincava com uma amiga, via a novela das seis. O primeiro beijo foi dado por um homem em uma mulher sedada, presa em cárcere privado. É que o homem pensava que tanto amar lhe dava o direito de violar.
Então, meus pais se renderam e compraram um minúsculo televisor preto-e-branco. Diante dele, cantei o Hino Nacional com Fafá-de-Belém. Tive vontade de estar na multidão das Diretas Já! Vi a Patrícia Pillar apresentando clipes. Corria da Escola Normal até a casa, para não perder os mais-mais da semana. Pois eles seriam o currículo escolar na semana seguinte. It's a mistake tocou minha alma. Vi Raul Seixas, no Plunct! Plact! Zoom! do Balão Mágico. E, vá lá, chorava para cantar o Ursinho Pimpão, de tanto que eu gostava. Adorava o Fofão. Vi Xuxa brotar na Manchete. Senti-me usurpada. Mas depois dancei Ilariê. E por aí vai.
Normalista ainda, vi as chamadas de Meu Destino é Pecar, com Lucélia Santos. Toda noite uma odisseia. Transportar o televisor da sala para o quarto sem um só ruído. Assistir a Meu Destino é Pecar em volume tão baixo que, juro, hoje em dia já não me lembro de mais nada. Só mesmo da odisseia.
Ouvi, maravilhada, aqueles sons de águas em Pantanal. Marcus Vianna e o Sagrado Coração da Terra, ah. Achei a Cristiana Oliveira um saco. Vi Antônio Abujamra cortando fartos e coloridos pimentões em A idade da loba. Aquele homem me tornou sua tiete incondicional. Seu ar de bruxo, sua erudição, um homem que cozinhava. E que portanto podia mudar o mundo.
Detestei todos os programas de auditório. Nunca admiti a grosseria desses sabadeiros e domingueiros, nem mesmo reconhecendo sua importância para a promoção da música brasileira. Mas Elke Maravilha amainava tudo. Olhar para ela impunha respeito.
Noveleira, também fui. Escrava Isaura e tudo que era novela de época. Que rei sou eu? continua sendo a campeã do meu julgamento. Uma sátira do Brasil. Sem censura. Quando mataram Odete Roitmann, eu já não estava nem aí.
E daí veio só piorando. Até que eu fiquei com ojeriza de televisão. Aquilo que outrora me fora proibido, hoje não quero livre e espontaneamente.
O diabo é que pra todo sempre serei filha do tempo da televisão brasileira. O que eu não lembrei agora, vou lembrar depois, em outros trastes inúteis que eu quiser escrever.
Ainda assim, au revoir, televisão brasileira. Você está muito comprometida com oligarquias. Eu prefiro que as oligarquias sobrevivam na internet, mas sejam postas contra a parede, toda hora, por qualquer Salman Rushdie que assim se apresentar.
Às vezes, a gente precisa mudar de ópio. Mas salvem Ricardo Boechat. Ele ensinou, em horário nobre, que votar não é obrigatório no Brasil. Tem que ter muita coragem.
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