Peixe para fluir

Written By Ana Claudia Gomes on quinta-feira, 18 de dezembro de 2014 | 07:02

Hoje foi um dia memorável.
Minha namorada. Que eu não sei como pode caber tanta gostosura numa pessoa só. Fez os sinais de fumaça anunciando os enigmas do dia. 
Ela chegou tão diferente. Nervosa, com enxaqueca. E a certa altura avaliou que se tratava da tensão pré-menstrual.
Sabe que odeio peixe. Encontro peixe fresco sobre minha pia. Junto com outros ingredientes. 
Meto o peixe imediatamente no congelador. Que nojo. Ela vem do quarto seminua, com expressão de muita dor. E começa a se explicar. 
Fora um dia decisivo em sua carreira. Ela avaliava que acabara de perder muito. Achava que uma tonelada estava parada em seu corpo. Claro que podia ser só a têpêeme. 
Então; Embora soubesse que eu detesto peixe. Comprara uma tilápia para fazer fluir. E completara. Mandei tirar os espinhos do peixe. Fica bom frito mas eu não sei fritar nada. Nem ovo. Preciso da sua ajuda.
Como eu poderia lhe negar isso. Sei que quando esses dias passarem ela será de novo aquela maciez. Aquele misto de puta e gata em fuga. 
Fiz hora. Fumei meu cigarro. Ouvi Elomar.. Xangai. E disse que já era hora de temperar o peixe com sal e limão. 
Sugeri noz moscada mas ela queria alecrim. Apesar de que concordávamos em que. Para o peixe. Bastavam sal e limão. 
Que seja o alecrim. Desde que eu não precise pôr a mão naqueles filés gelatinosos.
Ela foi temperando o peixe como se me fizesse carícias. Preparei-lhe a bandeja com farinha de empanar. Ela virava delicadamente os pedaços da tilápia que vira morrer. Enquanto eu a consolava dizendo que a morte do peixe não era pior do que arrancar uma planta para comer.
Então assumi a fritura. Ela se assentou. Balançando-se na cadeira como se desejasse espantar gotas de dor. Levantava-se, andava pela casa. Dava palpite na fritura e eu fingia querer e obedecer sua opinião.
Ficou dourada a tilápia. E como era a única opção à mesa. Tira-gosto segundo a namorada. Não tive jeito senão experimentar. 
E tão saborosa estava que devoramos meia tilápia. Como num farto jantar.
Quando caminhávamos para uma desejada sesta. O telefone tocou. Meu pai que estava em coma e com morte anunciada. Fora-se desta para melhor. 
Poucas horas depois soube também que o sangue da namorada chegara.
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