Dona Beatriz tem loja de moda. Quando chega um cliente e lhe
dá corda, ela fala pelos cotovelos. Conta toda a sua vida e faz comentários
profundamente críticos, pois agora pode. Está nas horas extras da vida, idade
que ninguém ousa planejar para si. Nessa idade, ou cada dia é um encantamento
em si mesmo, ou profunda melancolia. Porque, nas grandes sociedades, as árvores
e as mulheres velhas são para serem cortadas. Não são mais sagradas e tidas
como portadoras e porta-vozes dos grandes segredos da vida. Ninguém tem tempo
para sua falastrada.
Nos poucos minutos em que fiquei lá, cercando-a como uma
abelhinha, para lhe dizer que queria fazer umas sessões de entrevista, e ela
nem me deu bola, ouvi coisas do arco da velha. Mas uma basta para dar idéia de
quem é Dona Beatriz. A certa altura, ela disse: quem gosta de homem é bicho;
mulher gosta é de dinheiro. Fiquei estupefata. Sombrancelhas arqueadas. Guardei
isso comigo para pensar outra hora.
Ela contou que foi casada até a viuvez com um companheiro cheio
de qualidades, bem nascido, que perdia todo o seu dinheiro, e o que herdou do
pai, no jogo. Por isso, Dona Beatriz se tornou a personalidade que é, vendendo
moda, ganhando dinheiro para formar suas filhas. Caso contrário, ela certamente
viveria do dinheiro do marido e seria outra personalidade. Uma velha
melancólica? Talvez. Mas não acho provável.
A mulher é uma fonte de aristocracia e habilidade para o trato com todos.
É toda um grande sorriso. Ainda não sei por que ela chegou à conclusão de que
quem gosta de homem é bicho. Talvez um dia eu volte para as sessões de
entrevista. Por ora, basta que ela tenha dito uma frase de efeito. Que saberes
encerram os enigmas das velhas mulheres e das velhas árvores?
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